A Alquimia das Palavras e Obras de Ferreira Gullar
Ferreira Gullar - Sem Título 1 - Serigrafia
José Ribamar Ferreira nasceu em 1930 em São Luís do Maranhão e virou Ferreira Gullar quando começou a escrever. Mudou de nome devido a quantidade de homônimos. Gullar, então, pegou o sobrenome Ferreira de seu pai e o Goulart de sua mãe e como ele próprio diria: “a arte inventa a vida e eu inventei meu nome”.
Os primeiros passos na Arte e a Poesia
Ferreira Gullar foi tradutor, autor, escritor, pintor e um dos poetas mais importantes da história da literatura brasileira. Sua primeira obra escrita foi o livro “Luta Corporal”, uma poesia do concretismo.
Filiado ao Partido Comunista Brasileiro e já fazendo muitas obras politizadas, Gullar foi exilado no período da ditatura e viveu em países como a União Soviética, o Chile, e a Argentina, onde escreveu um dos maiores, em tamanho e em reconhecimento, poemas da literatura brasileira. O “Poema Sujo”, escrito em 1975 e publicado em 76, fez o artista ser lembrado nacional e internacionalmente até os dias de hoje. No poema extenso com mais de 2000 versos, Gullar retratou sua vida no Maranhão e quão difícil era para ele estar longe de seu país.
Gullar esteve no início do Movimento Concretista e anos depois fundou, junto com a artista plástica Lygia Clark, o Neoconcretismo, que fazia oposição ao primeiro movimento. O Neoconcretismo nasceu no Rio de Janeiro e unia o pensamento favorável às artes subjetivas e a criação, valorizava uma arte que propunha uma maior libertação e promovia o pensamento humanista e o existencialismo. Ao mesmo tempo, o movimento caminhava em um sentido contrário à onda de racionalismo e geometrismo dos concretistas.
Ferreira Gullar - Sem Título 2 - Serigrafia
Os temas sociais e a preocupação com a sociedade
Preocupado com a sociedade, Ferreira Gullar retrata em sua arte temas importantes do cotidiano e suas obras não seguem um caminho lógico por movimentos, mas pelo que ele estava passando no momento de sua construção. Obras como “Não há vagas” onde o escritor faz uma crítica ferrenha à preferência dos cidadãos. Em sua visão, aquilo que não importa e não tem relevância nenhuma é escolhido, em detrimento a fatos e coisas realmente relevantes.
Não Há Vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheiraFerreira Gullar
Outro exemplo de crítica pode ser visto no poema “O açúcar” no qual Gullar faz uma crítica ao tratamento dos trabalhadores dos canaviais para que um simples café pudesse ser adoçado e o açúcar pudesse chegar na mesa de todos.
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.Ferreira Gullar
Depois de alguns anos, o artista se desfilia do Partido Comunista e faz algumas críticas à ideologia, sem deixar de lado questões sociais vistas por ele como muito necessárias e importantes para o crescimento da sociedade.
Além das palavras, as Pinturas
Como artista, Ferreira Gullar foi também plástico em todos os sentidos da palavra. Crítico, ele também analisou muitas obras e para ele “A pintura jamais acabaria porque ela não é simplesmente uma forma de representar o homem, ela é uma experiência espiritual e criativa da fantasia humana”.
Ferreira Gullar - Sem Título 3 – Serigrafia
Nesta “Fantasia humana” de expressar desejos, criar imaginários e sensações, Gullar também pintou e gravou diversas obras, em sua grande maioria, abstrações.
Para ele, a função dos artistas plásticos e dos poetas era dar alegria às pessoas. Mesmo que o processo de construção de uma obra fosse um sofrimento, era no fim um prazer, uma alquimia que transforma o sofrimento em felicidade.
Ferreira Gullar - Sem Título 4 – Serigrafia
Curiosidades e pensamentos de Gullar
Ferreira Gullar fez parte do time de Roteiristas da série “Carga Pesada” que ficou por aproximadamente 7 anos no ar, na Rede Globo de Televisão.
O escritor também fez a tradução de uma canção estrangeira que faria muito sucesso no Brasil através da voz de Raimundo Fagner: “Borbulhas de Amor”.
Premiado
Em 2007, Ferreira Gullar ganhou o Prêmio Jabuti. Em 2010, recebeu um dos prêmios mais importantes da Literatura Brasileira, o Prêmio Camões, e, em 2002, foi indicado ao prêmio de maior expressão do Planeta para um escritor, o Prêmio Nobel da Literatura.
O Poeta do cotidiano, da carência, do desejo e da sociedade como um todo, recebeu o seu maior reconhecimento nacional em 2014 quando entrou parar a Academia Brasileira de Letras, eleito “Escritor Imortal” e coroando uma carreira irretocável.
Ferreira Gullar morreu em 2016, no Rio de Janeiro.