Gravuras de José Patrício: entre ordem, acaso e experimentação

quarta-feira, 10 de setembro de 2025 10:25:00 America/Sao_Paulo

José Patrício Bezerra (Recife, 1960) é um artista cuja obra conecta rigor formal, experimentação material e sensibilidades visuais que vão além do visível imediato. Suas gravuras dialogam com memória, com o hibridismo do gesto manual e do uso de objetos prontos, com o desejo de gerar formas que surpreendam tanto pela precisão quanto pelo inesperado.

Formação e trajetória

Patrício frequentou a Escolinha de Arte de Pernambuco entre 1976 e 1980 — uma época decisiva para quem busca cultivar afinidades tanto com tradição quanto com inovação. Em 1982 formou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco, o que sugere uma base teórica que pode alimentar criticamente a sua prática artística. Pouco depois, em 1983, fez sua primeira exposição individual em Olinda, na Oficina Guaianases de Gravura. Na metade da década de 80, já acumulava experiência como diretor artístico. Mais tarde, participou de importantes momentos de internacionalização, como em 1994-95, quando fez estágio no Atelier de Restauration d’Art Graphique, no Musée Carnavalet, em Paris, com bolsa do CNPq.

Gravura, papel artesanal e materialidade

No início dos anos 1990, José Patrício começa a produzir gravuras e composições utilizando papel artesanal — que ele mesmo fabrica — como suporte principal. Esse papel artesanal se transforma em campo de experimentação: módulos quadrados organizam-se, e sobre esses módulos são colocados papéis úmidos, que “resistem” ao controle, assumem dobras, ondulações, marcas orgânicas. A interação entre o controle geométrico dos módulos quadrados e o caráter fluido, imprevisível do papel úmido é central nessa fase.

Esse trabalho revela uma tensão criativa: por um lado, a ordem, a estrutura, a repetição; por outro, o gesto, o acaso, os elementos que escapam ao planejamento. A gravura, nesse contexto, deixa de ser apenas reprodução ou “imagem”, e passa a ser superfície-espaço de encontro entre o artístico e o material.

Uso de objetos prontos e dominós: o jogo e a combinatória

A partir da segunda metade da década de 1990, Patrício inicia uma outra série de investigações formais e conceituais: ele introduz na gravura e nas composições objetos prontos — objetos populares, seriados, cotidianos —, deslocando-os de sua função habitual para valorizar seu potencial formal e simbólico. Em particular, o dominó assume papel central. As peças do dominó passam a compor mosaicos, a estrutura visual em módulos. Há uma lógica combinatória: as peças têm numeração, há regras prévias de montagem, mas essa estrutura abre espaço ao imprevisível, à surpresa visual no encontro das formas, das sombras e dos encaixes.

A série conhecida como 112 Dominós é exemplo disso: peças fixadas sobre madeira, disposição em superfícies verticais ou, em alguns casos, sobre o chão. Em instalações como as da série Ars Combinatória (2000-2005), Patrício vai além do plano, incorpora o espaço expositivo: módulos — como o do Convento de São Francisco, em João Pessoa — são dispostos no chão, não fixados, em grande escala, com milhares de peças. São obras que convidam o espectador a caminhar, olhar, perceber luz, sombra, reflexo, ritmo.

Gravuras entre pintura, desenho e instalação

Embora gravuras — no sentido de impressão ou gravação em matriz — não sejam o único suporte de Patrício, suas obras se aproximam visualmente da pintura e do desenho por meio do uso da cor, da repetição de formas e da preocupação com textura e superfície. As obras com dominó, por exemplo, embora não gravuras “tradicionais”, dialogam com o rico repertório visual da gravura: módulo, repetição, contraste, marca, vazio e cheio.

A crítica enfatiza este entremeio entre disciplinas visuais: o artista mistura papéis, objetos, módulos; propõe instalações; joga com escala e suporte; cria composições que ora pendem para a abstração rigorosa, ora para formas orgânicas e imprevisíveis. Isso torna seu trabalho especialmente atrativo para quem gosta de arte que provoque reflexão sobre processo, materialidade e percepção.

Por que colecionar ou valorizar as gravuras de José Patrício

Para o amante de arte, uma gravura ou obra de Patrício oferece mais do que estética: oferece uma narrativa, uma reflexão sobre limites entre o controle e o acaso, sobre a materialidade do papel e do objeto, sobre espaço, cor e ritmo. É obra que valoriza a contemplação, que convida a ver não apenas o “que é mostrado”, mas o “como é feito”.

Aqui na Galeria Lívia Doblas, suas obras estão apresentadas com clareza: dimensões, técnica, série, importância histórica. Isso permite tanto ao colecionador experiente quanto ao novo amante de arte entender o valor — visual, técnico e simbólico — de cada peça.