Descobrindo Wilma Martins: a força da xilogravura contemporânea

sexta-feira, 27 de junho de 2025 12:13:02 America/Sao_Paulo

Wilma Martins Morais (Belo Horizonte, 1934 – Rio de Janeiro, 2022) foi uma das vozes mais singulares da arte brasileira, especialmente por sua interpretação visceral da xilogravura. Uma artista multifacetada — pintora, desenhista, ilustradora, figurinista e gravadora — cujo legado permanece vivo grazie à força inventiva de suas xilogravuras.

A xilogravura: técnica e temas

A xilogravura, técnica artesanal que consiste em entalhar madeira para imprimir imagens em papel, tornou-se a marca distintiva de Wilma. Em seus primeiros trabalhos, realizados no início dos anos 1960, ela apostou em gravuras monocromáticas que exploravam formas orgânicas e cores sóbrias, observando intimamente a fauna e a flora.

A partir de 1966, ao se mudar para o Rio de Janeiro, dedicou-se intensamente às gravuras em madeira. Em 1967, apresentou 14 xilogravuras, com títulos provocativos como Juízo final, Árvore do saber: selva, Líquido amniótico e Limbo. Para a artista, o processo de gravar era também uma forma de compreender sentimentos e pensamentos, dando-lhes forma.

Wilma Martins - O Passeio

Reconhecimento e prêmios

Wilma participou da Bienal de São Paulo por seis edições (1963, 1965, 1967, 1975, 1994 e 2016). Em 1967, foi agraciada com o Prêmio Itamaraty por quatro xilogravuras apresentadas na edição daquele ano. Também integrou diversas Bienais no exterior, como Veneza (1978) e Iugoslávia (1967).

No Panorama de Arte Atual Brasileira do MAM/SP, recebeu o prêmio em 1976 com a obra Cotidiano XVI, parte de uma série em que mistura elementos domésticos, natureza e fantasia. Em 1971, expôs xilogravuras; em 1974, desenhos com bico de pena; e em 1976, pinturas em acrílico e vinil.

A série “Cotidiano” e sua poética visual

Entre 1975 e 1984, Wilma desenvolveu a série Cotidiano. Nessa linha, ela parte de cenas simples — cozinhas, banheiros, salas — que são invadidas por elementos da natureza: rios, vegetação e animais silvestres surgem em meio ao cotidiano, criando imagens cheias de estranhamento e encanto.

Criticos como Ferreira Gullar destacaram sua capacidade de transformar o ordinário em poético, contrastando ambientes em preto e branco com fauna colorida. Gullar notou:

“as gavetas se enchem de água, a vegetação se derrama entre os móveis… sapatos e vassouras”.

O também crítico Frederico Morais interpretou a série como um delicado equilíbrio entre familiar e selvagem, onde os animais reconstruíam o espaço doméstico como habitat natural.

Técnicas, livro e legado

Wilma transitava entre técnicas: xilogravura, desenho, pintura acrílica. Em 2015, lançou os livros fac‑símile Caderno de viagem e Cotidiano, com desenhos elaborados em diversos materiais. Sobre os materiais e a prática criativa, ela dizia:

“A tela, o papel e tintas são o veículo de uma possível apreensão de mim mesma e do mundo”.

A xilogravura no contexto brasileiro

A xilogravura tem raízes profundas na historieta brasileira e na arte popular. A Casa da Xilogravura, em Campos do Jordão, revela a diversidade da gravura em madeira no país, embora não mencione diretamente Wilma, a presença dela nesse cenário é inegável até hoje.

Wilma Martins foi uma artista visionária que elevou a xilogravura a uma linguagem poética e política, questionando o banal e revelando o extraordinário no cotidiano. Sua obra nos convida a enxergar além das aparências e a perceber o natural como parte intrínseca da vida humana.

Para galerias, colecionadores ou entusiastas da arte, as gravuras de Wilma — como O Passeio, de 1970, disponível aqui na Galeria de Arte Lívia Doblas — são um convite à contemplação e um tesouro cultural a ser preservado.